Aplausos
Duda, o primeiro padre de Bela Vista do Paraíso
Os meninos com as blusas amarradas na cintura, desciam a rua de chão batido, Carlota dá um tapa na cabeça de Edu e diz — Mais tarde, no campinho do Jorge Thiane e não esqueça da bola. Segurando a pasta escolar para não cair, faz o sinal de positivo e dá uma corridinha para evitar o encontro com um cachorro preto e grande que vinha em sua direção. Cachorro esse, conhecido da turma toda e tinha a fama de bravo, passou reto nem olhou para o menino. Duda sim, viu que o cachorro tinha na boca frango inteiro e pensou, estranho! Um frango, sem pena, morto e pelado? Colocou a pasta debaixo do braço e continuou na direção de sua casa. Para descontração, anda em zigue-zague e chutando o que tinha pela frente: latinha de massa de tomate, de graxa nugget, pedaço de bambu… Chutava tudo que via pelo caminho, até chegar na encruzilhada. Não vacilou e meteu o pé com gosto num de vaso de barro. Chute potente de zagueiro que estraçalhou tudo, coisas para todos os lados: vela vermelha, pedaço de charuto, garrafa de pinga… e um bilhete, pegou e leu, “Olorum, Exu, Ogum e Iemanjá, querem você na África vestido de preto”. Tremeu! Quando lembrou quem mexe em coisas de macumba, nas encruzilhadas, morre logo vai direto para o inferno. O medo tomou conta em passos largos, quase correndo, saiu de cena. Antes de chegar em casa, planejou manter firme o que tinha dito para o padre que esteve na sua classe à caça de vocações. Pensou, sendo padre, não vou para o inferno e, sendo padre, ainda posso visitar Roma e toda a África. O menino Eduardo (Duda) era o sexto de uma família de lavradores do norte do Paraná, precisamente em Bela Vista do Paraíso, próxima a Londrina. Inteligente e rápido quando jogava futebol, tinha uma promessa que fizera a si naquele momento. “—Não, não vou para o inferno! Vou ser “padre” e sendo “padre” estarei protegido por Deus”. Padre missionário, bem longe daqui, assim a maldição da macumba não me pega. “—Não vou contar isso para ninguém”. Dos seus passos em direção a casa, era o único barulho que se ouvia. E na sua imaginação, vestido numa batina preta sob um sol quente. Mais perturbador ainda, com o que tinha lido no bilhete escrito na macumba que tinha estraçalhado no chute. Confusão maior ainda quando mentalizava suas andanças e as igrejas que conheceriam em missões pelo mundo: ver os leões na África, os índios na Amazônia, e as viagens de navio pelos sete mares. Duda deixava parecer a si que aquele chute foi um aviso para ganhar merecidamente o céu e nunca o inferno! Os últimos dias com a família estavam chegando ao fim e as peladas no “esmeril” (campinho de terra batida) também. Naquela tarde de inverno, o pai um mineiro tinhoso que voltava do trabalho, percebeu que Duda queria falar em particular. Velho conhecedor das manias do filho, deixou o menino tomar iniciativa. Tudo que ele esperava era que o filho lhe pedisse uma bola nova ou uma conga para ir à escola, afinal na escola era um bom aluno, e por isto o pai acreditava que o menino merecia. Mas o susto estava por vir. Duda falou sem gaguejar querer ir para o seminário, queria ser padre. O pai, sem preparo pelo que ouviu do filho, cortou a conversa e disse em alto tom. — Não! E consertou. “Não! Não por mim. Para a sua mãe pode ser diferente, mas isto e para ser discutido e com os irmãos mais velhos! Afinal na casa tudo era discutido, mas se contava sempre com a opinião dos mais velhos os menores apenas participavam. Tinha os irmãos os gêmeos, que eram portadores da síndrome de Down. O pai ficou com os olhos perdidos na colina, vista da janela e coberto pelo cafezal e uma gota de lagrima escorreu pela pele do rosto judiado pelo sol. Disfarçou rápido, limpou o rosto com as costas da mão e sorriu para o filho que tinha onze anos. Em gesto de confiança e carinho colocou o braço sobre o obro do menino e andando em direção da casa. Perdeu-se em pensamentos sobre o dia que seria o amanhã. O menino pedia para o pai dar uma resposta, mas como todo pai atencioso nas questões da família, conseguiu deixar para o dia seguinte sua resposta, prometendo pensar no assunto e discutir com sua mulher. Rita era católica, mãe católica e fervorosa, isso deixou o pequeno Duda mais tranquilo, pois sua mãe era meiga e atenciosa com todos os filhos e começou a sonhar com ela assistindo seus sermões que faria à multidão atenta e temente a Deus. Duda foi direto para o chuveiro, daqueles de balde de latão e com carretilha e corda para levantar após colocar a água morna, sempre aquecida em fogão à lenha. Tirou a roupa e dependurou nos pregos da parede e com um pedaço de sabão de cinza começou a se lavar. A água morna caia pelo corpo e no esfrega, esfrega começou a sentir que o seu pênis estava duro, reação costumeira, começou a manipular sensualmente no meio de uma prazerosa espuma, até chegar no fim gozo e de sentir aquele gostoso pecado. Pensando, iria ser padre e não seria esse momento sozinho com o sabão de cinza, no chuveiro que tiraria a intenção. Seria padre, era a salvação do inferno. E um padre não faz isso, tocar punheta! Então estava pecando, não deveria e poderia ser castigado por isto, o medo o fez meditar. O pênis duro, ficou molinho e o frio que fazia lá fora foi entrando também na sua alma. A culpa fez o menino fechar a água e com o queixo tremendo de frio, começou a enxugar com a toalha feita pano de saco de farinha de trigo. O chinelo de dedo esperava na porta do chuveiro. A mãe ainda não sabia da conversa que tivera com o pai, mas mesmo assim percebia alguma coisa no ar. Alguma coisa estava acontecendo com o seu pequeno Duda. A mãe trouxe um pijama limpo para o filho e falou que o menino estava ficando homem, pois naquele dia não foi preciso mandar tomar banho. Aproveitou e pediu para que Duda ajudasse a colocar numa bacia grande de alumínio os gêmeos que estavam pelados e no chão da sala, brincando com o gato. Duda pegou um dos meninos pela cintura e levou até a bacia de água morna preparada pela mãe. No momento que foi buscar o outro irmão, viu pela janela que o pai estava confidenciando com a mãe, acreditando que seria o seu assunto, parou e ficou tentando ouvir alguma coisa. Nesse momento encontrou o irmão mais velho, que disse que já sabia que ele queria ir para o seminário, disse também que todos na escola já sabiam e até estavam chamando de irmão do Padre. Duda começou a chorar, o irmão começou a dar risada e fazer micagem como um padre em missa, tipo dando a benção aos féis e levando o cálice de vinho a boca. O pai entrou casa à dentro nervoso e quase deu um chute no gato que inocentemente vinha acariciar sua perna. Duda com um dos gêmeos no colo viu pela primeira vez o pai bravo e até o irmão mais velho que estava fazendo zombaria ficou pálido de medo quando percebeu o pai nervoso daquele jeito. E a mãe triste meio sem jeito percebendo a situação sorriu sem jeito, como se diz — Está tudo bem, não é nada! Tomando a iniciativa Duda abaixou a cabeça e já com os gêmeos na bacia de água, começou a lavar os meninos que queria a todo custo puxar o gato para a água. Duda entrou em parafuso, sua culpa fez da harmonia que reinava na casa uma briga entre os seus pais, assim pensava. Porém, se recompõem e quando lembrou que o pai tinha prometido discutir isto com todos na mesa de jantar, então não era o motivo da briga que presenciara. Não era o culpado pelas lágrimas que já rolavam no avental da mãe. A mãe tratou logo de tomar o seu banho e quando saiu do chuveiro encontrou os gêmeos já de roupas trocados e no caixote que lhes era reservado. A irmã de Duda, Inês, estava na cozinha terminando de colocar na mesa toda a comida, inclusive o que tinha sobrado do almoço. Os pães que tinha acabado de sair do forno, estavam descansando na mesinha junto à janela da cozinha e tinha como protetor umas toalhas enroladas para não tomar vento e endurecer. A mãe foi até ao fogão de lenha e pegou as mamadeiras dos gêmeos e entregou para os meninos famintos. Arrumou as cadeiras envoltas da mesa e chamou Duda para buscar o pai que estava na área da sala fumando um cigarro de palha. Duda mais que depressa avisou o pai para vir a mesa de jantar e também seus irmãos. Pela sua cabeça passava a incerteza de seu futuro. Todos na mesa, o feijão novo de uma colheita feliz enfeitava o jantar. Duda olhava para o prato e viajava em pensamentos. Como, como seria o jantar no seminário, como seria o café, como seria o estudo? Tudo passava pela sua cabeça. O pai num sorriso bonito olhou para todos e disse em voz alta, mais do que o costume. — “Acho que vamos ter um padre na família, mas antes de tudo gostaria de dizer que Eduardo tem o meu apoio se realmente está pensando ir para o seminário e se tornar um padre, mais isto depende da mãe de vocês, por mim ele pode ir, tem a minha benção”. A mãe que era a mais católica da casa se assustou com o assunto e sem pensar olhou para Duda e disparou. — O Duda não! O Duda não sai de perto de mim. O olho arregalado do filho olhava o pai e a mãe e não entendia estar acontecendo com a reação da mãe. Logo ela que era católica fervorosa estava negando e impedindo o filho de seguir a sua vocação! A mãe tentou consertar, dizendo que o menino era muito jovem para sair de casa e estudar longe, alegou que Duda era o único que ajudava nas tarefas de casa, como, por exemplo, a cuidar dos gêmeos. Como ela iria viver sem esta ajuda? Duda tentou falar, mas a discussão tomou outro rumo, as filhas; Ines moça de 23 anos já noiva estava para se casar, a outra Laura com 20 anos estava namorando um primo, também no mesmo caminho, casamento. Os dois filhos, irmãos de Duda: Pedro de 25 anos o mais velho não estava na mesa, estava na cidade onde foi levar um lote de café para beneficiar, também já era noivo e se preparando para casar e morar numa casa que ele e toda a família estavam construindo. O outro, Jorge Antônio, irmão, fora os gêmeos, tinha 16 anos era o companheiro do pequeno Duda, era alegre e seu protetor na escola e já estava sabendo da intenção do irmão em se tornar padre, pois o mesmo tinha ouvido falar na escola, com o padre que estava caçando vocações e tinha passado no grupo escolar e levantando os nomes dos candidatos. E Duda foi aprovado, era um deles, enfim toda região já estava sabendo. A discussão tomou conta da mesa, as irmãs apoiavam a ideia, o pai também. Somente o irmão que não estava presente não sabia ainda da vontade do caçula. Os gêmeos já com as mamadeiras vazia e com o gato que já no caixote. Duda viajava com a colher de sopa que levava lentamente a boca. As aventuras neste momento já estavam no deserto do Saara, na página 56 do livro de geografia. Tudo que sabia era o que mostrava a fotografia, areia e mais areia sob um sol absoluto. A discussão na mesa convencia a mãe, que sempre concordava com a vontade de Duda, no final era realmente o que ela sempre quis, só não queria que fosse ela a tomar a iniciativa, mas o seu coração de mãe já imaginava com será a festa de ordenação. Como seria a igreja enfeitada e todos da região rezando e ouvindo o sermão do padre Duda? Viajou na imaginação, domingo de ramos com todo mundo segurando folhas de samambaia, e os meninos vestidos de anjinhos carregando sua pureza pela igreja adentro. O pai então como sempre fazia, terminava a discussão dando o resultado, em voz alta. — Bem, Bela Vista do Paraíso terá um padre para matar o pessoal de Sertanópolis de inveja. Todos deram boas gargalhadas e Duda sentiu estar chegando perto do seu grande sonho, escapando do inferno, entrando no céu e conheceria a África. Para isso bastava ir para o seminário. Só não entendia porque a mãe e o pai estavam se estranhando bem antes do jantar, estavam sim, ele viu isso no semblante deles. As irmãs tiram à mesa, os irmãos saíram com o pai para conversar na área e o irmão do meio, chegou perto de Duda e disse. — Você viu o pai brigando com a mãe? E falou baixinho, a mãe viu o pai bolinando com a prima lá no paio. Chegou na janela e pegou a prima com o vestido levantado e o pai com a cabeça no meio das pernas delas, estou te contando isso só para você padreco, conto, porque sei que isso é pecado, se você contar para os outros, vou saber que você que deu com a língua nos dentes. Só eu e você que sabemos disso, olha lá é pecado contar hein! Duda já desconfiava dessa arrumação do pai com a prima. Sentiu um grande alívio em saber que a mãe não estava brigando com o pai porque ele queria ser padre. Naquela noite, ele foi dormir mais cedo, tranquilo e feliz. Deitado no colchão de palha de milho, olhando pelas frestas da parede da casa de madeira feita de peroba. Pensamentos às mil, deserto e selva, navio solitário num mar tranquilo em direção a missão na África. Sente uma fisgada no pênis a mão quente passar no pinto e começa a esfregar, esfregar tentando fazer silêncio. O ruído da palha do colchão aumenta no seu ouvido e continua até que seu pensamento anular o pecado, “se o seu pai podia bolinar a prima”, porque ele não podia esfregar o próprio pinto, afinal ele ainda não era padre e aquele podia ser o seu último dia com a família, e no seminário poderia não ter colchão de palha e nem sabão de cinza para disfarçar a punhetinha santa. O bilhete da macumba produzido pela sua imaginação de menino, fez o chute ser o pedágio para o céu. Os pecados existem em quem os faz e não em quem pensa que é pecado. Porque “Olorum, Exu, Ogum e Iemanjá, querem você na África vestido de preto”. Os Oguns são guardiões e as Exus sentinelas, astral inferior para resgatar aqueles que já tem o merecimento, seja no chute ou numa vela vermelha, ou na mordida de um cachorro que rouba o frango pelado numa qualquer encruzilhada.
(Texto de Manaoos Aristides).
MANAOOS
Uma resposta
Este conto , que por sinal muito bem relatado minha infância, diria até minha pré infância quando minha mamãe me dava banho de bacia. Lembro de meus irmãos mais novo batendo as mãos para espalhar água fora da bacia.