Seria de bom alvitre nossos vereadores e prefeitos prestarem atenção. O tema “Ideologia de gênero” deve ser determinado pela união e não por municípios e estados. Os representantes das cidades e dos estados devem cuidar e buscar projetos em favor da população. Pior, eles sabem que não podem, mas mesmo assim criam legislações que serão derrubadas e consideradas inconstitucionais no Supremo Tribunal Federal.
Em 14 municípios de nove estados do país já existem leis que proíbem — ou estão prestes a proibir — professores de discutir ou usar em sala de aula material didático que se refira a questões de gênero e religiões. Também há restrições a comentários políticos. No total, são afetados cerca de 270 mil alunos do ensino fundamental, com idade média entre 6 e 14 anos, mostra a matéria do jornal “O Globo”.
Em outubro passado, a câmara de Crato (CE) aprovou lei que proíbe falar em ideologia de gênero e “toda orientação sexual” ao aluno que tente “extinguir o gênero masculino e/ou feminino do gênero humano”.
Para o procurador da República Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, que instaurou inquérito para apurar lei aprovada em Jataí (GO), banir a discussão de gênero das escolas é estimular preconceitos e evitar temas como a violência contra a mulher.
— Num momento em que o mapa da violência mostra a gravidade dos assassinatos de mulheres, a lei impede o debate — afirma o procurador.
Em alguns municípios, as leis impõem aos professores o papel de fiscais do comportamento dos alunos. Em Pedreiras (SP), por exemplo, a lei aprovada este ano dita que os professores não podem permitir que o estudante apresente “qualquer prática capaz de comprometer o desenvolvimento de sua personalidade em harmonia com a respectiva identidade biológica do sexo
Ao defender um projeto em Jacobina, na Bahia, o vereador Pedro Nascimento (PMDB) disse que “escola é lugar de aprender, de preparar o aluno para o mercado de trabalho” e que “pais e os avós não podem perder o direito de educar seus filhos conforme os preceitos de suas famílias”.
— Questões como religião e moral são assuntos de família, e cabe a ela educar seus filhos — defende o vereador Francisco Battilani (PSDB), autor da lei aprovada no município de Bela Vista, Mato Grosso do Sul.
SEM DIÁLOGO E DIVERSIDADE
Para a procuradora Déborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, as leis embutem cláusulas amplas e atrelam debates a concepções individuais, retirando da escola o papel de ser um espaço público de diálogo e diversidade.
— Cada família tem uma concepção diferente do que é moral. Se cada família quiser usar a sua, nada poderá ser dito — argumenta Déborah.
Em Santa Cruz do Monte Castelo, no Paraná, a primeira cidade do país a adotar uma lei que restringe discussões políticas e ideológicas nas escolas, foi incluído também um veto a temas religiosos. Na prática, a lei, que abrange apenas a rede municipal, com crianças até 12 anos de idade, baniu as festas juninas e o coelhinho da Páscoa — comemorações ligadas à Igreja Católica
— Era uma tradição, a gente comemorava a Páscoa. As crianças pintavam coelhinhos e ovos e até iam fantasiadas. Mas, como a Páscoa é uma data cristã, outras religiões poderiam ser afetadas e deixamos de comemorá-la — diz Alessandra Scanacapra Peres, coordenadora pedagógica de uma escola municipal.
Para fugir da polêmica, alguns prefeitos optam pela “omissão tácita” — não vetam, nem sancionam. Com isso, a Câmara dos Vereadores pode promulgar a lei sozinha.