Opinião
Ângela Diniz, feminismo e a indicação para o STF.
Por Milton Alves*
O filme sobre Ângela Diniz (1944-1976), do diretor Hugo Prata, que tem como protagonista principal a atriz Isis Valverde, nas telas dos cinemas do país desde 7 de setembro, apresenta o rumoroso caso de feminicídio da socialite mineira na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), em dezembro de 1976. Ângela foi assassinada por Doca Street, na vida real um dublê de empresário e playboy.
A narrativa do filme revela o ciúme doentio e perverso de Doca Street, diante de uma mulher exuberante e de espírito livre, que enfrentava uma separação litigiosa do casamento anterior e tentava a guarda de seus três filhos.
A relação com Doca teve um início fulminante, uma paixão avassaladora, que levou o casal a morar numa praia paradisíaca, em Búzios. Mas logo, tudo virou de pernas pro ar, e o príncipe virou um sapo cruel.
Após um período de agressões e ameaças, a “pantera de Minas”, como era chamada no colunismo social carioca dos anos 70′, um maneirismo verbal do famoso colunista Ibrahim Sued, resolveu deixar Doca, e foi assassinada, com quatro tiros, no final de dezembro de 1976. O caso teve intensa repercussão e foi acompanhado vivamente por vastos segmentos da sociedade.
No julgamento do criminoso, a defesa alegou a famigerada tese da “legítima defesa da honra”, e o assassino confesso levou uma pena simbólica de 2 anos. O fato gerou uma onda de protestos em todo o país, e o Ministério Público recorreu da decisão: Doca Street foi condenado, em um novo julgamento, levando uma pena de 15 anos — só cumpriu três anos em regime fechado.
Em plena ditadura, a voz das mulheres – e de suas poucas organizações naquele momento – impôs um grande debate nacional sobre o machismo e a violência. Na Constituinte de 1988, o famigerado “legítima defesa da honra” foi banido do Código Civil, deixando de ser usado como mecanismo para justificar crimes contra as mulheres – cônjuges, noivas e namoradas.
O caso Ângela Diniz também foi um episódio detonador do processo de mobilização pelos direitos das mulheres. O movimento feminista, atualmente, segue sendo um dos alvos principais de setores reacionários da sociedade brasileira.
A luta contra o feminicídio, por igualdade salarial e por um maior protagonismo nos espaços de poder e de decisão política estão na ordem do dia. Aliás, o que inclui, evidentemente, a disputa por vagas nos tribunais superiores, no Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo.
A saída da ministra Rosa Weber tem motivado intenso debate sobre a necessidade da indicação de uma mulher para o cargo. Uma pressão legítima e pertinente, ainda mais neste momento de campanhas agressivas da extrema direita contra as conquistas feministas: a pregação misógina de parlamentares – vide a absurda tentativa de cassação dos mandatos de seis deputadas de esquerda na Câmara de Deputados – e da ação de “coaches de relacionamentos” nas redes sociais, que difundem a chamada atitude masculina “redpill”.
A mineira Ângela Diniz foi martirizada pela impotente sanha machista, mas o seu caso, como o de Maria da Penha, despertou para a luta milhões de cérebros, nervos e músculos da poderosa energia feminina, que enfrentam os grilhões cotidianos da opressão de gênero e de classe.
Neste sentido, o filme de Hugo Prata, que também dirigiu Elis, presta um bom serviço, com sobriedade e sem um viés panfletário, cumpriu o seu papel ao retratar os mecanismos de uma relação machista, abusiva e violenta. A película destaca os diálogos, a convivência turbulenta do casal, até o trágico desfecho. Vale a pena assistir.
*É jornalista e escritor – colabora em diversas mídias progressistas e de esquerda. É o autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020), ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país‘ (2022) — todos pela Kotter Editorial. Ativista social e militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.