Conforme informa o portal BEM PARANÁ, o Ministério Público do Paraná divulgou detalhes do processo de corrupção passiva envolvendo o presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Ademar Traiano (PSD), e o ex-deputado Plauto Miró. A informação foi passada pelo MPPR em uma nota relativa a esclarecimentos complementares sobre investigações relacionadas à TV Icaraí.
Traiano e Plauto confessaram ter cobrado propina antes da renovação do contrato da concessão da TV Assembleia, que era administrada pela TV Icaraí, representada pelo empresário Vicente Malucelli. A nota do MP não cita nominalmente os dois e nem outros eventuais envolvidos. “Em um dos anexos (do processo), foi noticiado suposto pagamento de vantagens indevidas a deputados estaduais por prepostos da TV Icaraí, motivando a instauração do procedimento investigatório criminal (PIC) nº 0046.20.076480-4, em 29 de maio de 2020, pela Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur), em razão do foro por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça do Paraná”, diz a nota do MP.
ABAIXO O INFORME DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Ministério Público do Paraná presta esclarecimentos complementares sobre investigações relacionadas à TV Icaraí
1. Origem: as investigações tiveram início a partir de informações obtidas em acordos de colaboração premiada (penal) e de leniência (cível) firmados com o Ministério Público do Paraná e o Ministério Público Federal. Tais acordos contemplaram a descrição de 11 supostos ilícitos (anexos), imputados a diferentes pessoas, subsidiando, desse modo, apurações em variados juízos e instâncias, além do Cade.
2. Anexo 8: em um dos anexos, foi noticiado suposto pagamento de vantagens indevidas a deputados estaduais por prepostos da TV Icaraí, motivando a instauração do procedimento investigatório criminal (PIC) nº 0046.20.076480-4, em 29 de maio de 2020, pela Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur), em razão do foro por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.
3. Corroboração: diante do art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/2013 (que proíbe a adoção ou decretação de medidas cautelares pessoais ou reais, de recebimento de denúncia e de sentença condenatória com fundamento apenas nas declarações de colaborador), o referido PIC objetivou reunir provas para a confirmação dos seguintes ilícitos: (i) corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) decorrente de suposta solicitação de vantagem indevida por parlamentares e (ii) lavagem de capitais (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98), decorrente de suposta ocultação ou dissimulação de valores do crime antecedente.
4. Diligências: durante a investigação criminal foram adotadas pela SubJur, dentre outras, as seguintes providências: (i) oitiva de 11 pessoas, com 06 interrogatórios de investigados e 05 depoimentos de testemunhas; (ii) 02 perícias elaboradas pelo Instituto de Criminalística em arquivo de mídia e em dispositivo de captação (Laudo Pericial nº 42.932/2020 e Laudo Pericial nº 64.433/2020); (iii) pedidos cautelares de afastamento de sigilos bancário e fiscal junto ao Órgão Especial do TJPR, com 13 postulações de quebras derivadas (autos nº 0029971-14.2020.8.16.0000); (iv) pedido judicial de compartilhamento de provas junto à 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba em processo de produção antecipada de provas (autos nº 0001728-42.2019.8.16.0179), com outros 12 requerimentos complementares; (v) elaboração de auditorias contábeis em documentos obtidos com as quebras (Relatório nº 014/2021); e (vi) formulação de requerimento incidental ao Órgão Especial do TJPR (autos nº 0029971-14.2020.8.16.0000) para validação de prova apresentada pelo colaborador, em razão de sucessão legislativa operada pelo Pacote Anticrime.
5. Prorrogações: pela complexidade, a instrução motivou 08 prorrogações de prazo do PIC (conforme autorização do art. 13, caput, da Res. nº 181/2017 do CNMP), cujas razões foram supervisionadas pelo Órgão Especial do TJPR e apreciadas em decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (representação nº 1.01003/2022-83).
6. Conclusão da investigação (opinio delicti): exauridas as diligências, a SubJur, em 1º de setembro de 2022, firmou as seguintes conclusões: (i) crime de corrupção passiva: constatada a existência de indícios de autoria e prova de materialidade em relação a deputados estaduais e (ii) crime de lavagem de dinheiro: ausência de provas que confirmassem a hipótese de ocultação ou dissimulação dos valores ilicitamente obtidos (STF, AP nº 644), cuja promoção de arquivamento, por falta de justa causa, foi homologada à unanimidade pelo Órgão Especial do TJPR em 11 de setembro de 2023 (autos nº 0000539-42.2023.8.16.0000).
7. Cabimento do ANPP: não sendo o caso de arquivamento em relação ao crime de corrupção passiva, a SubJur, em estrito cumprimento ao art. 28-A do CPP, deflagrou as tratativas para o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), culminando, em 20 de dezembro de 2022, na formalização de ajuste que viabilizou a imediata resposta penal, mediante o pagamento de prestação pecuniária equivalente a 155 salários mínimos (ou R$ 187.860,00) para cada um dos investigados, revertida para entidades de destinação social, nos termos do art. 45, § 1º, do CP. Tal acordo, feito com ambos os investigados, foi homologado pelo Tribunal de Justiça (autos nº 0034907-77.2023.8.16.0000, em 31 de outubro de 2023, e autos nº 0034904-25.2023.8.16.0000, em 5 de dezembro de 2023).
8. Cabimento do ANPC: paralelamente, após compartilhamento da prova criminal, a SubJur apreciou os reflexos do caso na esfera da improbidade administrativa, sob a ótica do enriquecimento ilícito (inquérito civil nº 0046.22.144261-2), formalizando, em estrito cumprimento ao art. 17-B da Lei 8.429/92, Acordo de Não Persecução Cível (ANPC) que viabilizou: (i) perda dos valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio de cada um dos investigados, em favor do Estado do Paraná, no valor de R$ 147.001,94, e (ii) multa de R$ 36.750,48, destinada ao Fundo Estadual de Direitos Difusos, para cada um dos investigados. Referido acordo, feito com ambos os investigados, foi aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público e, com a anuência da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, também homologado pela 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, em 11 de dezembro de 2023 (autos nº 0000796-15.2023.8.16.0179).
9. Propositura de demandas judiciais: os citados ANPP e ANPC, firmados pela SubJur após exauriente investigação (devidamente homologados pelas instâncias de controle internas e externas), além de permitirem imediata e concreta resposta a atos de corrupção, impondo o recolhimento ao patrimônio do Estado do Paraná da quantia total de R$ 743.224,84 (mesmo sem ter ocorrido dano material ao erário), evitaram evidentes riscos na propositura das ações penais e cíveis, principalmente: (i) sobre a eventual declaração de ilicitude da prova apresentada pelo colaborador, base da investigação (Tema de Repercussão Geral 979/STF); (ii) sobre a prescrição penal decorrente da contagem, pela metade, em relação a um dos investigados (considerando a sanção em perspectiva e os recursos processuais disponíveis às instâncias superiores); (iii) sobre a possibilidade de imposição de regime aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; (iv) sobre os limitados prazos de prescrição intercorrente das ações de improbidade; e (v) sobre os filtros acentuadamente mais rigorosos no recebimento e processamento de ações nos Colegiados dos Tribunais. As sanções acordadas guardam proporcionalidade com aquelas normalmente fixadas ao fim de processos judiciais, antecipando, assim, o provimento jurisdicional que poderia ser obtido pelo Ministério Público em processos de notória morosidade.
10. Sigilo: os procedimentos investigatórios, não por opção do Ministério Público, mas por determinação legal e ordem judicial, estiveram sob sigilo durante a tramitação porque: (i) conectados a elementos de informação obtidos em acordos de colaboração premiada e acordos de leniência (art. 16, § 6º, da Lei nº 12.846/2013 e art. 7º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013) e (ii) vinculados a medidas cautelares de afastamento de sigilos bancário e fiscal (art. 189, inciso III, do CPC e art. 5º, inciso X, da CR).
11. Transparência: de forma a assegurar transparência, a SubJur já no ano de 2022, estabeleceu tanto no ANPP quanto no ANPC cláusulas expressas de levantamento do sigilo tão logo fossem homologados os acordos (cláusula 8ª, § 1º, do ANPP e cláusula 7ª, § 1º, do ANPC). A última homologação se deu no dia 11 de dezembro de 2023, e o derradeiro pedido de levantamento de sigilo feito pela SubJur se deu nesse mesmo dia. O Judiciário, recentemente, apreciou esses pedidos e autorizou o levantamento dos sigilos dos termos dos acordos e das respectivas homologações judiciais.
12. Controle: apesar do imperativo do sigilo, as investigações estiveram permanentemente submetidas aos controles legais e constitucionais, exercidos: (i) na supervisão da investigação pelo Poder Judiciário – inclusive nas postulações com reserva de jurisdição (Órgão Especial do TJPR e 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba); (ii) no controle externo exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (representação nº 1.01003/2022-83); (iii) na intervenção da Procuradoria-Geral do Estado, feita no interesse do Estado do Paraná (autos nº 0000796-15.2023.8.16.0179); (iv) na apreciação pelo Conselho Superior do Ministério Público (inquérito civil nº 0046.22.144261-2); e (v) nas homologações judiciais firmadas nos processos nº 0034907-77.2023.8.16.0000, nº 0034904-25.2023.8.16.0000 e nº 0000796-15.2023.8.16.0179.
13. Impessoalidade: a SubJur reitera que o exercício de suas atribuições é marcado pela impessoalidade, consignando: (i) a formalização de Acordos de Não Persecução Penal e de Acordos de Não Persecução Cível constitui imperativo legal e, portanto, rotineiramente aplicada pelo Ministério Público, conforme disposições do art. 28-A do CPP, do art. 17-B da Lei de Improbidade Administrativa, do art. 1º, § 2º, da Res. nº 179/2017 do CNMP, por serem instrumentos alinhados à tendência contemporânea de solução consensual de conflitos, prevista pelo art. 3º, § 3º, do CPC, pelo art. 26, da LINDB e pela Res. nº 125/2010 do CNJ; (ii) a responsabilidade para o resguardo de direitos fundamentais, a fim de que eventuais acusações formuladas ao Poder Judiciário estejam embasadas em provas robustas e válidas, especialmente quando decorrentes de colaborações premiadas ou de leniência, postura, por sua vez, que reclama criteriosa apuração; e (iii) a atuação jamais pautada por processos políticos ou eleitorais de outras instituições.