A pedido dos donos de bares, músicos e produtores, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu a audiência pública Bar: Direito à cidade e à cultura. O debate aconteceu na tarde desta segunda-feira (27/05/24) e reuniu vereadores, representantes da prefeitura, da Guarda Municipal e dos bares e restaurantes da capital. Um grupo de trabalho será formado para estudar uma nova legislação, que contemple as demandas do segmento.
O intuito do debate foi ouvir reclamações e sugestões dos empresários e artistas sobre o funcionamento destes estabelecimentos, as dificuldades para a obtenção dos alvarás, os ruídos e a poluição sonora, e ainda sobre como a fiscalização. A audiência pública foi agendada por Angelo Vanhoni (PT), em parceria com Alexandre Leprevost (União), Dalton Borba (Solidariedade), Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Marcos Vieira (PDT), Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT). Abrabar (Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas) e da Abrasel/PR (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), representantes do Coletivo de Bares e Comerciantes do Anel Central da cidade, produtores culturais e músicos também se manifestaram na audiência pública.
Fiscalização atrapalha o funcionamento dos bares
Felipe Petri foi um dos empresários a se manifestar sobre a principal reclamação do segmento: a fiscalização da Aifu (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), promovida pela Polícia Militar em parceria com outros agentes, como a Secretaria de Urbanismo e Guarda Municipal. Segundo ele, o convênio entre Estado e Município venceu em 2021 e “não previa prorrogação”, fazendo com que as atuais ações de fiscalização da prefeitura, com a participação da PM, não estejam amparadas legalmente.
No ano passado, continuou Petri, das 423 ocorrências registradas, 215 foram relacionadas a denúncias de caixas de som em bares. O ex-comerciante reclamou que, em um ano, foram deslocadas 262 viaturas e 65 policiais dedicados a multas geradas por um desacordo com uma legislação que está obsoleta. “Das infrações administrativas, 91% não concorrem com nenhum outro crime e nenhuma outra infração. Ou seja, 50% da força policial está fiscalizando bares que não cometem crime algum. O crime é um violão. Este é o crime que está sendo coibido. […] Peço a atenção dos legisladores e da prefeitura sobre se sustenta esse gasto, se esse gasto com a violência institucionalizada do município se justifica. A gente tem um perfil que está sendo fiscalizado e que sequer comete crimes.”
“Precisamos entender que os donos de bares e restaurantes não são inimigos da sociedade. Estão ali para gerar cultura, empregos e renda. Os músicos fazem parte dessa cadeia econômica. Temos vários problemas com o Ministério Público, que às vezes aceita a denúncia de uma única pessoa, que mora em um condomínio, e essa única pessoa pode fechar um bar”, afirmou Fredy Ferreira, proprietário do bar A Caiçara e produtor cultural.
Para o empresário, a legislação é atrasada e a cidade não vem acompanhando o comportamento do curitibano, que mudou nos últimos anos. Uma nova legislação, opinou, deve considerar horários de funcionamento diferenciados e regiões específicas, tanto na região central quanto na periférica da cidade. “É urgente uma alteração no zoneamento urbano, identificando estes espaços”, argumentou, para na sequência pedir que, antes de bloquear o alvará [dos bares localizados em] uma rua inteira”, o Poder Público e demais órgãos fiscalizadores promovam estudos sobre os empreendimentos e sobre as áreas residenciais.
De acordo com Luis Fernando Menuci, presidente da Abrasel/PR, a entidade entende que a Aifu tem uma função importante, mas pede que a fiscalização “seja mais tranquila”, pois não é nos restaurantes e bares que acontecem os maiores problemas. “Algumas vezes, até nossos clientes se assustam. Perguntam ‘o que está acontecendo, ocorreu algo grave’? E isso prejudica o estabelecimento, porque as pessoas realmente se assustam. E é exatamente esta diferença que tem que ter: a maneira que a Aifu atua em determinado ambiente, e quando você vai em uma área mais perigosa, onde as atitudes da Aifu tem que ser diferenciadas”, analisou.
Outra ideia sugerida por Menuci é que os alvarás de funcionamento para abertura de bares sejam emitidos provisoriamente por seis meses, e caso não tenham reclamações sobre os estabelecimentos no período pós inauguração, que o alvará seja permanente. Já Fábio Bento Aguayo, presidente da Abrabar, endossou as falas que o antecederam, reafirmando a vocação de Curitiba para a vida noturna e gastronômica, e defendendo que o segmento tem responsabilidade social e atua em ações preventivas, de assédio sexual e segurança no trânsito. “Às vezes a sociedade prefere marginalizar esse setor, em vez de entender nossa responsabilidade social e de geração de emprego e renda, mas também a valorização da segurança dos entornos, onde têm polos gastronômicos.”
Qual o posicionamento da Prefeitura de Curitiba?
Convidada a enviar representantes para ouvir as demandas do segmento e direcionar respostas, a Prefeitura de Curitiba participou do debate. Pela Secretaria Municipal da Defesa Social e Trânsito (SMDS) falou o gestor, Péricles de Matos; e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), a diretora do Departamento de Licenciamento e Fiscalização, Erica Costa Mielke, deu sua contribuição.
“Nosso trabalho é ouvir você, cidadão artista, que é proprietário de estabelecimento, que vai se divertir [no bar], que é consumidor”, disse o secretário de Defesa Social e Trânsito. No caso da pasta, o gestor informou que 60% da atuação da Guarda Municipal é em apoio à Secretaria de Urbanismo, 15% em apoio à SMMA, e as demais ações são em apoio ao Ministério Público, Polícia Militar e nas operações conjuntas com outras forças policiais. Péricles de Matos também afirmou que outros atores envolvidos na fiscalização da ordem e das denúncias, como PM e MP, deveriam ter participado do debate, para esclarecer questionamentos.
Erica Costa, da SMMA, reconheceu que a legislação precisa ser reformulada, em especial a lei municipal 10.625/2002, a Lei da Perturbação do Sossego, “que é cheia de penduricalhos”. “Aumentou o número de bares. Com a mudança na legislação, as pessoas não podem mais fumar dentro dos bares, e fumam fora, causando barulho fora dos bares. Há 20 anos, não tínhamos mesas nas calçadas. Só tinha isso na rua XV [de Novembro]. O MP também ouve o apelo da população e [quando provocados] a gente faz o nosso serviço e atende a lei”, disse, ao se colocar à disposição ao diálogo. “Toda mudança é bem-vinda, desde que seja ponderada e [com] bom senso.”
Vereadores e autoridades se manifestam sobre o tema
Dos sete propositores da audiência pública, seis se manifestaram sobre os problemas levantados. “Todos vocês sabem dos problemas que temos tido na liberação dos alvarás para bares, e também de autorização para funcionar como entretenimento, isso é para que o bar possa ter um espaço, possa ter para um músico, tocando um violão. Enfim, que a graduação seja de atividades com algum disciplinamento, com alguns critérios mais objetivos. Esse é um problema que acontece na cidade”, disse Vanhoni.
“Acredito que esta audiência pública pode ser a oportunidade de dar um jeito para que os estabelecimentos possam ter o violão e voz, ou música ao vivo com equipamentos de pequeno porte, que possam garantir o bem-estar das pessoas do seu entorno. Podemos sim, trabalhar com horários para a música ao vivo. Tem outras capitais que já trabalham com estes horários, como Belo Horizonte onde até às 22h é permitido um acústico, uma voz e violão. […] Hoje, pela legislação, em nenhum lugar [de Curitiba] é permitido uma voz e violão”, afirmou Alexandre Leprevost.
Marcos Vieira, também organizador do debate, complementou: “Estamos tratando de uma pauta que é importante para a cidade, e que precisa ser discutida, ser debatida para vermos qual a melhor forma de viabilizar [as demandas] para que todos possam trabalhar com tranquilidade. […] Além de você estar movimentando a cultura e fomentando a economia, você faz a cidade ficar mais ativa, propiciando momentos de socialização. Isso é o que dá vida à cidade”.
“Como trabalhadora da cultura, também ocupei os bares, fazendo meu trabalho como fotógrafa e posso dizer que há muito anos vocês [empresários do setor] estão nessa luta. […] De fato, não temos uma legislação que acompanhe [as demandas] e faça com que isto [os problemas] cessem”, disse Giorgia Prates. “Sou solidária a esta pauta há muitos anos. Precisamos de uma gestão pública que seja mais cuidadosa com quem gera emprego, que trabalha junto com a cultura. A prefeitura não faz uma gestão coletiva”, emendou Maria Leticia.
Dalton Borba foi último propositor do debate a se posicionar sobre o tema: “O Estado deve ser restringir o mínimo possível na atividade empreendedora. Se ele não quer ajudar, ele não pode atrapalhar. E, aqui em Curitiba, temos um problema muito sério, muito grave, que é a falta de disposição do diálogo do Poder Público para com os setores da população.” Os deputados estaduais, Goura e Requião Filho também deram suas contribuições.
“O bar tem o seu direito e tem um papel fundamental na socialização, no uso da cidade. Os artistas têm direito a expor seu trabalho e a ganhar dinheiro com isto. […] A gente tem que estabelecer as diferenças do que é fiscalização administrativa e do que é perturbação do sossego e crime ambiental. A gente não pode confundir e se utilizar da força e opressão do poder público para fazer impor certas vontades de certas pessoas. Todavia, quem tiver pisando na bola, tem que ser fiscalizado, tem que ser punido”, afirmou Requião Filho.
“A política pública deve ser construída de baixo para cima, com o princípio da democracia, da participação. O que temos é uma oportunidade de fazer um salto qualitativo de gestão. Estamos falando de economia, de atividades que geram emprego, gerando renda, geram segurança pública, porque onde a gente tem um bar ativo, presente, a gente vai ter gente na rua e o que faz uma cidade segura é ter gente na rua. E, óbvio, temos que harmonizar os usos da cidade”, observou Goura.
Como encaminhamento, será formado um grupo de trabalho com os vereadores que propuseram o debate e o coletivo, para estudar uma nova legislação visando sanar as dificuldades apresentadas pelos comerciantes. A ideia é que este grupo mantenha um diálogo com a prefeitura. Clique na foto abaixo para conferir todas as imagens do debate no álbum do Flickr da Câmara:
Quando são realizadas as audiências e reuniões públicas da CMC?
A proposição de audiências e reuniões públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público. Caso a atividade ocorra fora da Câmara, a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro-secretário e o segundo-secretário da Casa. No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo.
A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. Por se tratarem de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados.