Em meados de 2019, uma espécie de Titanic dava sinais de que iria começar a afundar no Brasil. Apesar de já muito questionada por juristas e diferentes setores políticos, a Operação Lava Jato, de combate à corrupção na Petrobras, era praticamente intocável e imune a críticas na imprensa e nas instituições de Estado do país.
Um dos seus principais protagonistas, o ex-juiz Sergio Moro, havia abandonado a toga para assumir o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, que estava em seus primeiros meses de mandato. Naquela altura, o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava preso em Curitiba e sequer pôde disputar as eleições do ano anterior.
O navio da Lava Jato começou a afundar a partir de uma série de reportagens jornalísticas produzidas pelo site The Intercept Brasil (TIB), em parceira com outros veículos de comunicação, que mostraram um conluio entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o juiz Sérgio Moro na condução dos processos da Lava Jato. O vazamento de conversas em um aplicativo de mensagens, que entrou para a história como Vaza Jato, revelou uma série de irregularidades jurídicas entre juiz e investigadores para obter provas, orientar testemunhas e combinar diligências judiciais.
Um dos nomes por trás da investigação jornalística foi Leandro Demori, que na época era editor-executivo do The Intercept Brasil e atuou na coordenação dos trabalhos. Jornalista e escritor gaúcho com trajetória em veículos como Zero Hora e revista Piauí, autor de livro sobre a atuação de um mafioso italiano no Brasil (Cosa Nostra no Brasil – A história do mafioso que derrubou um império), Demori mergulhou no jornalismo investigativo. A repercussão da Vaza Jato o alçou a um reconhecimento nacional, mas também o colocou na mira de inimigos. Ele chegou a receber ameaças de morte e passou a andar com segurança pessoal por um longo período.
Mais de quatro anos após essa drástica mudança, na vida pessoal e nos rumos do país, o jornalista agora se prepara para um novo desafio. No próximo dia 26 de setembro, Demori estreia um novo programa de entrevistas na TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). O Dando a Real com Demori, ou DR com Demori, será exibido todas às terças-feiras, às 22 horas. Com duração de meia hora, Demori receberá nos estúdios da EBC, em Brasília, figuras emblemáticas da República para uma “conversa aberta e informativa”.
Produzido por profissionais da EBC e apresentado por ele, o programa é parte da nova grade da TV Brasil que vai estrear neste mês. O primeiro entrevistado será o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. A segunda conversa será com a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), a primeira mulher trans e negra a chegar ao Congresso Nacional.
“Acho que eu consigo juntar essa história de jornalismo que eu tenho, de ter memória das coisas, de ter feito muita cobertura, ter participado de muita coisa, conseguir ter uma conversa aberta e, ao mesmo tempo, uma conversa informativa, não leviana. A ideia é juntar isso e fazer televisão, fazer um programa que as pessoas se entretenham, mas saiam com a sensação de terem aprendido algo”, disse em entrevista à Agência Brasil.
Sobre a expectativa de estrear na televisão, especialmente em uma emissora pública, Demori afirma que quer ajudar a reconstruir a independência da comunicação pública, como ocorre na maioria das experiências que ele mesmo acompanhou quando viveu na Europa.
“A EBC tinha uma ideia, ainda espero que prospere, que é a de ser uma emissora independente, como é na Itália, na Inglaterra, na França. É conseguir, de fato, fazer uma emissora que não fique ao sabor do jogo político do momento. Por isso, quando rolou esse convite, eu aceitei na hora, apesar de saber que iria ouvir críticas de colegas, do público, que enxergam a TV pública erradamente como cabide de emprego, como gasto desnecessário. Isso é um pensamento completamente idiota. A TV pública não é isso.”
“Precisamos aumentar a credibilidade na TV pública, fazer as pessoas gostarem, como a população passou a defender o SUS [Sistema Único de Saúde]. Quando as pessoas gostam, elas defendem. Isso aqui [EBC] é serviço de utilidade pública número um.”
Além de falar sobre comunicação pública, o novo apresentador da TV Brasil analisou o cenário de combate à corrupção e os desafios do jornalismo em tempos de hegemonia das plataformas digitais.