(POR CLAUDIA COSTA – PORTAL IDEIA DELAS) A população brasileira está envelhecendo e cada vez mais necessitará de assistência à saúde. O número de brasileiros com mais de 60 anos superou os 30 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) realizada pelo IBGE. A tendência é que o envelhecimento da população acelere de forma a, em 2031, o número de idosos superar o de crianças e adolescentes até 14 anos no Brasil.
O Estado brasileiro não consegue oferecer o que prevê a Constituição Federal de 1988. O artigo 196 estabelece que a Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Sabemos que isso não é atendido em sua plenitude e o Sistema Único de Saúde (SUS) carece de muitos recursos e infraestrutura para atender a população.
E como o Estado não consegue oferecer serviços de saúde com qualidade, a opção de muitas pessoas é adquirir um plano privado de assistência à saúde. Segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em outubro de 2017, o número total de pessoas seguradas passou de 47,19 milhões para 47,58 milhões. Mesmo pagando mensalidades cada vez mais altas, o cliente do plano de saúde nem sempre consegue um atendimento satisfatório às suas necessidades.
Prevenir é sempre melhor que remediar, porém muitas vezes temos que conviver com negativas do plano de saúde. Recentemente, fiz um checkup anual com os médicos cardiologista, endocrinologista e mastologista, que solicitaram alguns exames específicos de suas áreas. Entretanto, quando fui realizar os procedimentos, tive que ouvir da atendente do laboratório que o plano de saúde estava questionando um dos procedimentos, pois só libera um exame de ultrassom com Doppler. Como assim, desde quando é a operadora que define quais exames devemos ou não fazer para detectar qualquer problema?
Como conheço meus direitos, insisti (meu plano é o completo e não tem limitação de atendimento ou procedimento) e acabaram liberando, mas o questionamento e a negativa sempre causam desconforto. Não gosto de ir ao médico, mas pelo menos uma vez por ano devemos realizar exames preventivos. Sabemos que existem casos de fraudes, o que provoca o aumento dos custos dos planos de saúde, mas isto deve ser coibido internamente pelas operadoras e não o cliente passar por algum desgaste.
Todos precisam conhecer os seus direitos e buscar nos órgãos competentes suporte quando se sentirem lesados. Todo plano de saúde é regulamentado e fiscalizado pela ANS, órgão do governo federal. Caso aconteça algum fato que afete o seu direito de consumidor, entre em contato com a ouvidoria da Agência (DISQUE ANS 08007019656) e registre a sua queixa ou denúncia. Também podem recorrer ao Procon, à Defensoria Pública e em alguns casos até o Ministério Público
Nem sempre o consumidor busca ajuda na Justiça, pois acredita que ela será morosa. O que a maioria das pessoas desconhece é que existem recursos que são julgados rapidamente, quando se entra com pedido de “Tutela de Urgência”. Às vezes, o caso é de muita gravidade e o paciente não pode ficar esperando muito tempo para ter o atendimento indicado pelo médico.
Segundo o advogado Pedro Garcia Lopes Júnior, especialista em direito médico e hospitalar, o judiciário está atento a essas questões e elas são julgadas mais rapidamente. Nesta entrevista ao Portal IDEIA DELAS, o especialista que atua há 13 anos na área explica sobre a “Tutela de Urgência”, um pedido feito ao juiz da causa para que analise o caso com urgência e tome a decisão o mais rápido possível.
Quando o cliente deve buscar ajuda judicial. Em que momento ele deve tomar essa decisão?
A primeira coisa que o consumidor deve fazer é comparecer à operadora de seu plano de saúde e efetuar o pedido administrativo do tratamento, medicamento, procedimento cirúrgico ou exame que necessita. Na sequência, deve aguardar a resposta, dentro dos prazos previstos pela ANS. Caso o plano negue o pedido administrativo (que deve ser feito por escrito), ou simplesmente não se manifeste, neste momento o consumidor deve buscar um advogado para exigir seus direitos na Justiça.
Muitos não buscam seus direitos na Justiça porque acreditam que a decisão vai demorar muito. O que fazer para agilizar a decisão judicial?
Apesar de o Poder Judiciário ser aparentemente lento e demorado, nas ações em que tratamos de Saúde, especialmente quando lidamos com um caso de extrema gravidade, o trâmite é diferente e estas ações têm preferência sobre as outras. Além disso, nestes casos, mostramos ao juiz que se trata de um caso envolvendo a vida de uma pessoa e sempre requeremos o que chamamos de “Tutela de Urgência”. O pedido é feito ao juiz da causa para que analise a causa com urgência e tome sua decisão o mais rápido possível. Via de regra, esta decisão ocorre em dois ou três dias depois do protocolo da ação, todavia não é um prazo exato. Sendo concedido o pedido, o plano de saúde será intimado para cumprir a decisão judicial, normalmente em 24 horas, sob pena de multa diária em caso de descumprimento.
A justificativa das operadoras de plano de saúde é que elas não são obrigadas a cobrir determinados procedimentos. Isso é verdadeiro?
Normalmente esta justificativa não procede. O que o plano pode fazer, em casos previstos pela ANS, que são pouquíssimos, é se desobrigar de cobrir algumas doenças. Entretanto, se a doença for coberta pelo plano e o tratamento, medicamento, procedimento cirúrgico ou exame for indicado pelo médico que acompanha o consumidor, tal situação deve ser coberta. Isso deve ser analisado caso a caso, pelo consumidor e por um advogado, que lhe explicará detalhadamente seus direitos, e o que deve ser feito.
O cliente deve aceitar somente produtos nacionais (casos das órteses e próteses)? Muitos médicos indicam produtos importados.
Não necessariamente. O médico deve indicar, no caso das órteses e próteses, a que ele achar adequada ao caso em questão, independentemente dela ser importada ou não. Esta decisão cabe ao médico, e não ao consumidor, e muito menos ao plano de saúde. O médico apenas deve tomar o cuidado de justificar o seu pedido na literatura médica. Importante mencionar que, atualmente, caso o medicamento ou tratamento pedido venha a ser importado, deve, ao menos, estar registrado na Anvisa.
O senhor obteve na Justiça o ganho de causa para um pai de família da bomba para diabéticos?
Temos alguns casos nos quais conseguimos que o plano tivesse que disponibilizar ao consumidor, integralmente, o tratamento para diabetes que ele necessitava, incluindo bomba de insulina e todos os insumos. Neste caso específico, envolvendo um pai de família, pleiteamos o tratamento indicado pelo médico, que se tratava de um sistema de infusão contínua de insulina, um sistema de monitoramento de glicose, e insulina (Accu-Chek Combo com kit de insumos; sistema de monitoramento de glicose com sensor Free Style Libre; insulina ultrarrápida).
Entramos com a ação em Londrina e conseguimos a tutela de urgência, que obrigava o plano a fornecer o tratamento que o paciente necessitava, da maneira como fora pedido. O plano recorreu ao Tribunal de Justiça do Paraná tentando reverter a decisão inicial, mas não teve sucesso. Neste momento, a ação segue tramitando, e o consumidor continua tendo seu tratamento custeado pelo plano.
E o caso daquela criança portadora de atrofia muscular espinhal (AME) que necessitava de um medicamento importado?
Uma menininha, hoje com aproximadamente 8 anos, portadora de uma doença conhecida como atrofia muscular espinhal desde o seu nascimento, que já necessitou de nossos serviços anteriormente, desta vez precisava de um medicamento chamado “Spinraza”. É o primeiro remédio desenvolvido no mundo para o tratamento desta doença e teve seu pedido negado pelo plano.
Entramos com a ação aqui em Londrina e conseguimos a tutela de urgência, que obrigava o plano a disponibilizar o referido medicamento e fornecer toda a assistência necessária, da maneira como fora pedido. Neste momento, a ação segue tramitando, e a menininha está recebendo o medicamento. Esta decisão é somente a segunda conseguida em todo o País.
Pela sua vivência profissional, quais são as principais queixas dos clientes de planos de saúde?
Hoje não existe mais uma queixa principal. Como os custos médicos estão aumentando significativamente, os planos de saúde, na mesma medida, estão negando cada vez mais os pedidos dos consumidores. E não há uma regra. Os planos têm negado exames, medicamentos, tratamentos, procedimentos cirúrgicos. Cabe ao consumidor, sempre que isso ocorrer, procurar um advogado para averiguar se a negativa estava correta ou, caso contrário, recorrer ao Judiciário.
Como o senhor vê o papel da ANS na fiscalização e regulação dos planos de saúde?
Acredito que esta agência (ANS) não está conseguindo cumprir o seu papel adequadamente. Ela deveria intensificar ainda mais a fiscalização sobre os planos de saúde. Se isso realmente acontecesse, muito do que vemos, e vivemos hoje, não ocorreria.
A Justiça está sensível para os direitos do consumidor dos planos de saúde?
Acredito que sim. A Justiça tem consciência que o Estado, que é quem deveria prover os cuidados à saúde da população, não tem condições de fazê-lo, e que esta obrigação deve ser absorvida pelos planos. O Judiciário também entende que o consumidor é a parte mais fraca nesta situação, e justamente por isso deve ser protegido com mais afinco. Da mesma maneira que os consumidores estão mais atentos e conhecedores dos seus direitos, a Justiça está muito mais sensível a essas causas.
Existem tratamentos mais caros e complexos que o cliente acaba indo para o SUS, como quimioterapia e hemodiálise, por exemplo, mesmo tendo plano. Isto acaba aumentando o custo da saúde pública e as operadoras não dão o atendimento que deveriam?
Os consumidores não deveriam fazer isso, pois é seu direito exigir esses cuidados junto ao seu plano, mesmo se tratando de situações complexas e de alto custo. Cada caso deve ser analisado, mas, em princípio, o plano deve prestar todo o atendimento que o consumidor necessita. Além do que, quando o usuário de plano de saúde se utiliza do SUS, o SUS envia a conta para o plano de saúde, que terá que reembolsá-lo.