Opinião
Privatizar presídios é capitalizar a criminalização da pobreza e abrir novo mercado para o crime organizado – Por Milton Alves*
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, em entrevista coletiva na sexta-feira (2), abordou um projeto em discussão no interior do governo Lula que trata da privatização dos presídios.
Segundo o relato do ministro, a ideia, defendida por setores da área econômica do governo, é abrir para a iniciativa privada, com aporte de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a gestão e a construção de unidades prisionais, utilizando a modelagem de contratos através de Parcerias Público-Privadas (PPP) com o governo federal.
Para Sílvio Almeida, “a medida é inaceitável” e que a privatização de presídios e de espaços socioeducativos pode favorecer o crime organizado. “Privatização, seja de presídio, seja de sistema socioeducativo, abre espaço para infiltração do crime organizado, que é tudo o contrário do que a gente quer fazer”, afirmou.
O ministro esclareceu ainda: “Não estou dizendo que isso exista já, o que eu estou dizendo é que a gente abre espaço para que o crime organizado tenha mais um pedacinho do Estado brasileiro”.
Segundo Silvio Almeida, os atuais problemas no sistema carcerário decorrem da ausência do Estado e privatizar os presídios não é a solução. “Não deu certo em lugar nenhum. A gente sabe que, no final das contas, vira privatização da execução da pena e isso não pode acontecer. E não só por vontade política, mas porque isso é inconstitucional, é ilegal. Existe um estudo técnico que já está pronto há muito tempo, e é um debate que acontece dentro do governo”, apontou.
O ministro dos Direitos Humanos alertou para o caráter inconstitucional do projeto: “Não se pode privatizar a execução penal. O que dizem que privatiza é a construção dos estabelecimentos, mas na prática o que acaba acontecendo é a privatização da execução penal. E só o Estado brasileiro que pode exercer o poder punitivo”.
Ele informou também que o tema das privatizações de unidades prisionais será discutido com o novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.
Enfrentar a ideologia do encarceramento e da matança
O Brasil ostenta um dos maiores índices de encarceramento dentre os países mais populosos do mundo, são 307 presos por 100 mil habitantes. A média mundial é de 144 por 100 mil habitantes.
Segundo informação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, desde 2000, o país teve um aumento de 257% em sua população encarcerada, atingindo o número de 832.295 presos em outubro do ano passado.
Uma nova política de Segurança Pública deve priorizar a redução imediata dos índices de encarceramento, diminuindo o fluxo de entrada no sistema e aumentar a saída de presos. Portanto, focar na adoção de mais penas alternativas, aliviando a lotação das cadeias e presídios.
Além disso, é necessário diretrizes para coibir o uso abusivo das prisões provisórias, ampliar as audiências de custódia e reforçar os mecanismos de acesso à Justiça para os mais pobres, reforçando as defensorias públicas e o controle social do sistema prisional, com a participação dos familiares dos presos e de entidades de defesa dos direitos humanos.
No discurso para a opinião pública, a extrema direita promete mais acesso ao armamento individual para a classe média, a repressão do Bope/Rota e milícias para os pobres e a segurança especializada, privada, para os mais ricos e privilegiados – ilhados em seus exclusivos condomínios de luxo e refinados resorts urbanos. Ou seja, a militarização e o encarceramento em massa como saídas ao problema da escalada da violência e do crime organizado nos grandes centros urbanos.
Um sistema policial repressivo, em aliança com a milícia paramilitar, é o modelo que vem sendo instituído na prática no país nos últimos anos – e que opera a sua legitimação institucional com o aparelhamento político das forças de segurança pela extrema direita na maioria dos estados.
A questão da segurança pública é complexa, de difícil resolução, e tem uma relação direta com a própria natureza do regime capitalista, gerador de exclusão estrutural e concentração de riqueza -, mas a esquerda precisa enfrentar o tema com coragem, propor medidas e disputar politicamente com a narrativa da extrema direita bolsonarista, que produz um discurso que fomenta a violência contra a pobreza e o pânico para obter resultados eleitorais com base no medo da população.
Temas como a defesa intransigente dos direitos humanos, a reforma urgente do sistema penal, o fim da política de encarceramento em massa, a ampla descriminalização das drogas, o combate duro aos partidos do crime e milícias, mais investimentos sociais nas comunidades pobres e a reformulação da doutrina das forças de segurança são alguns dos desafios para a construção de uma política de segurança pública nacionalmente unificada, humanista e integral — bases conceituais de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
*Jornalista e escritor. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020), ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país’ (2022) – todos pela Kotter Editorial. Escreve semanalmente em diversas mídias progressistas e de esquerda.