A parcela extra referente aos incentivos financeiros repassados pelo governo federal para o fortalecimento de políticas relacionadas à atuação de agentes comunitários de saúde (ACSs) e agentes de combate a endemias (ACEs) pode ser utilizada em prol do aprimoramento das condições de trabalho desses agentes. Ela também pode ser utilizada para pagamento de salários e demais encargos trabalhistas; e para as finalidades de promoção das atividades dos agentes.
Além disso, o ente federativo pode estabelecer vantagens, incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, para valorizar o trabalho dos ACSs e ACEs, conforme as disposições do parágrafo 7º do artigo 198 da Constituição Federal, independentemente da existência de sobras referentes aos repasses da União.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Capitão Leônidas Marques (Região Oeste), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de utilizar recursos de assistência financeira complementar para o pagamento do piso salarial, férias, décimo terceiro salário e demais encargos trabalhistas dos ACSs e ACEs.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica do consulente afirmou que a legislação vigente do Ministério da Saúde (MS) não faz qualquer distinção entre incentivo de custeio e incentivo adicional. Assim, entendeu que o incentivo financeiro, destinado a auxiliar os municípios na implantação das Equipes de Saúde da Família, pode ser utilizado para o pagamento de salários ou incentivos aos ACSs.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que a parcela extra referente aos incentivos financeiros para o fortalecimento de políticas afetas à atuação de ACSs pode ser utilizada para pagamento de salários e demais encargos trabalhistas. A unidade técnica destacou que, mesmo que não haja sobras referentes aos repasses da União, é possível o município estabelecer incentivos, auxílios, gratificações e indenizações para valorizar o trabalho dos ACSs.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da CGM. O órgão ministerial acrescentou que o pagamento de qualquer parcela adicional aos ACSs e ACEs, seja gratificação, verba ou qualquer outra parcela, deverá ser previsto em lei específica.
Legislação e jurisprudência
O artigo 37 do texto constitucional estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O inciso X desse artigo expressa que a remuneração dos servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.
O parágrafo 3º do artigo 39 da CF/88 fixa que se aplica aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7º, incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
A Emenda Constitucional nº 120/2022 acrescentou os parágrafos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 ao artigo 198 da Constituição Federal, para dispor sobre a responsabilidade financeira da União, corresponsável pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na política remuneratória e na valorização dos profissionais que exercem atividades de ACS e de ACE.
O artigo 198 da CF/88 dispõe que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade.
O parágrafo 7º desse artigo estabelece que os vencimentos dos ACSs e dos ACEs fica sob responsabilidade da União, e cabe aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer, além de outros consectários e vantagens, incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, a fim de valorizar o trabalho desses profissionais. O parágrafo seguinte (8º) expressa que os recursos destinados ao pagamento dos vencimentos dos ACSs e dos ACEs serão consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva.
O parágrafo 9º do artigo 198 da CF/88 fixa que os vencimentos dos ACSs e dos ACEs não será inferior a dois salários-mínimos, repassados pela União aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal. O parágrafo seguinte (10) dispõe que os ACSs e dos ACEs terão também, em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas, aposentadoria especial e, somado aos seus vencimentos, adicional de insalubridade.
O parágrafo 11 do artigo 198 da CF/88 estabelece que os recursos financeiros repassados pela União aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para pagamento do vencimento ou de qualquer outra vantagem dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias não serão objeto de inclusão no cálculo para fins do limite de despesa com pessoal.
O artigo 9º-A da Lei Federal nº 11.350/06 expressa que o piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras de ACS e dos ACE para a jornada de 40 horas semanais.
O artigo 9º-C da Lei Federal nº 11.350/06 dispõe que compete à União prestar assistência financeira complementar aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, para o cumprimento do piso salarial dos ACSs e ACEs. O parágrafo 4º desse artigo estabelece que a assistência financeira complementar será devida em doze parcelas consecutivas em cada exercício e uma parcela adicional no último trimestre.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Maurício Requião, lembrou que os ACSs e ACEs estão sujeitos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salvo se a lei local dispuser de forma diversa. Assim, ele concluiu que é consequência inerente aos vínculos contratuais que haverá pagamento de 13º salário.
Requião ressaltou que, mesmo que a lei local fixe outro regime contratual aos agentes, o 13º salário é direito básico previsto pela Constituição Federal e, portanto, todos os ACSs e ACEs têm direito a esse benefício. Ele explicou que a parcela adicional prevista pelo artigo 9º-C, parágrafo 4º, da Lei nº 11.350/06, integra a assistência financeira complementar a fim de que os entes da federação possam suportar as despesas resultantes dessa obrigação.
O conselheiro destacou que, em regra, o ente da federação pode fixar gratificações, verbas indenizatórias, e outras parcelas a serem pagas aos funcionários, desde que observadas as formalidades e patamares mínimos e máximos legais.
Finalmente, o relator afirmou que a eventual insuficiência da assistência financeira complementar não é fundamento para impor redução à remuneração dos agentes. Ele frisou que, da mesma forma, a eventual existência de excedente no recebimento da assistência não repercutirá, necessariamente, em pagamentos adicionais aos agentes, pois os valores remanescentes podem ser aplicados à finalidade geral da atividade.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 3/24 do Tribunal Pleno, concluída em 29 de fevereiro. O Acórdão nº 501/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 12 de março, na edição nº 3.168 do Diário Eletrônico do TCE-PR. A decisão transitou em julgado em 27 de março.