Dez anos após o Judiciário garantir o casamento e a união estável a pessoas do mesmo gênero, um projeto de lei tenta revogar o direito e declarar como legítimas apenas uniões heterossexuais. Após receber parecer favorável, o PL 5.167/2009 pode ser votado na próxima quarta-feira (27) na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados.
Pela falta de lei que regulamente o tema, a união estável e o casamento homoafetivos são garantidos por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Alegando a existência de um vácuo legal e se baseando na alegação de que a Constituição determina que a união estável e o casamento são direitos exclusivos de heterossexuais, parlamentares conservadores tentam invalidar as decisões do Judiciário, que têm força de lei. Porém, o conflito entre o que o Congresso tenta aprovar e o que o STF já decidiu pode fazer com que o PL defendido pelos deputados seja considerado inconstitucional.
A seguir, Aos Fatos explica o que diz o projeto que tenta proibir o casamento homoafetivo, quais são os direitos garantidos atualmente a casais formados por indivíduos do mesmo gênero e o que ocorreria em caso de aprovação do projeto — inclusive com as uniões já formalizadas.
- O que diz o PL que tenta proibir o casamento homoafetivo e qual é o estágio de tramitação?
- Quais são os direitos atualmente garantidos pelo Judiciário?
- A Constituição determina que o casamento é exclusivamente entre homem e mulher?
- O que pode acontecer se o projeto for aprovado?
1. O QUE DIZ O PL QUE TENTA PROIBIR O CASAMENTO HOMOAFETIVO E QUAL É O ESTÁGIO DE TRAMITAÇÃO?
O projeto originalmente em discussão na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família é o 580/2007, apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes (1937–2009), ex-apresentador de programas matinais que era assumidamente gay. No entanto, outras propostas foram apensadas ao projeto — algumas com sentido inverso do texto original, que buscava garantir a união homoafetiva.
Um dos apensados é o PL 5.167/2009, do ex-deputado Capitão Assumção (PSB-ES), que propõe alterar o Código Civil para estabelecer que nenhuma relação entre pessoas do mesmo gênero pode se equiparar ao casamento ou à entidade familiar.
Essa é a proposta que deve tramitar no Legislativo agora, caso seja aprovado o parecer do relator Pastor Eurico (PL-PE), que pediu pelo arquivamento do PL 580/2007 e de todos os outros textos apensados a ele, à exceção do PL 5.167/2009.
No parecer, Pastor Eurico defende que o casamento “entre pessoas do mesmo sexo é contrário à verdade do ser humano” e alega que o Judiciário “usurpou competência do Congresso” ao equiparar a união homoafetiva a uniões heterossexuais.
O parlamentar também afirma que qualquer norma que preveja a união estável ou o casamento entre pessoas do mesmo gênero afronta o texto constitucional, que reconheceria apenas a união entre homem e mulher. Essa interpretação do texto constitucional contradiz o posicionamento do STF em julgamento sobre o tema.
Apresentado no dia 29 de agosto, o parecer já teve sua votação adiada duas vezes. Na última terça (19), parlamentares concordaram em deliberar sobre a proposta na próxima quarta (27), um dia depois da realização de uma audiência pública.
Caso o relatório seja aprovado, o projeto segue para a CDHMIR (Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial) e então, para a CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) em caráter conclusivo. Se aprovado nas comissões, vai então direto para o Senado, sem passar pelo Plenário da Câmara, a não ser que haja recurso assinado por ao menos 52 deputados.
2. QUAIS SÃO OS DIREITOS ATUALMENTE GARANTIDOS PELO JUDICIÁRIO?
Sem legislação específica que regulamente o tema, a união estável e o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero são garantidos atualmente no Brasil por uma decisão do STF e uma resolução do CNJ.
- Em maio de 2011, os ministros do Supremo decidiram, por unanimidade, equiparar as relações entre pessoas do mesmo gênero às uniões estáveis celebradas entre homens e mulheres;
- O foco da discussão foi o artigo 1.723 do Código Civil, que definia como união estável a relação “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”;
- O relator, ministro Carlos Ayres Britto, alegou em seu voto que a Constituição proíbe qualquer forma de discriminação em razão de sexo, raça e cor, e que isso também se aplica à orientação sexual;
- Já Edson Fachin ressaltou que diversos princípios constitucionais, como o da igualdade, o da liberdade e o da dignidade humana, garantem a casais homossexuais os mesmos direitos de casais heterossexuais;
- Com a decisão, casais homoafetivos passaram a ter direitos como pensão, comunhão de bens e participação em plano de saúde. Até então, esses benefícios só podiam ser obtidos a partir de decisões individuais no Judiciário.
Dois anos depois do julgamento no STF, o CNJ editou a resolução 175/2013, que determina que os cartórios não podem se negar a celebrar casamentos civis homoafetivos ou converter uniões estáveis entre pessoas do mesmo gênero em casamentos.
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