boca 2

Os lábios da mulher do japonês – Por Manaoos Aristides

Para Fernando, crescer na vida e ter sucesso era uma grande meta. Em sua casa, havia um aparelho de televisão da marca Colorado, enfeitando a sala. Aparelho esses de caixa de madeira envernizada, preto e branco, possuía na frente uma tela de vidro nas cores verde e vermelho dando um tom bicolor às imagens cinzentas. Havia um inconveniente. Só podia ser ligado às oito da noite, por ordem do seu pai. Isso quando todos estivessem em casa. Fernando, ainda menino, uns treze anos, era o encarregado de tirar o pó vermelho de todos os móveis da sala, principalmente da televisão. Usava um espanador velho com somente algumas penas restantes. A mesa era feita de restos de tábuas de peroba vermelha e sobre ela uma toalha de pano de saco de farinha de trigo, com um rendado de crochê nas bordas. O menino engraxava sapatos na rua, para ajudar o pai que tinha uma carroça com cavalo baio, com os quais fazia carretos em toda a cidade de Londrina. Frequentava um colégio público na Vila Cazone e assim que deixava a escola corria para a sua casa almoçar e pegar a caixa de engraxate para fazer o seu trabalho, que tinha sede na porta do Cine Joia. Lá havia um salão de barbeiro que era um achado, pois todos os colonos que sentavam para cortar o cabelo colocavam os sapatos sujos de barro vermelho para serem lustrados. O lago Igapó exercia, entre todos os meninos, um grande fascínio. Era comum nadar pelado com colegas ao final da tarde e, de vez em quando, acontecia o concurso de pirocas, para ver quem tinha a maior e quem conseguia esporrear mais longe. Essa era a diversão do final do dia. A vida corria pelas mãos dos meninos e as mãos dos meninos corriam pelas piroquinhas com sebo branco na cabeça que se escondiam numa pequena pele, pronta pelo bisturi da fimose de amanhã. O festival de punhetas fechava a confraria, apenas três ou quatro guris ficavam para o desfecho. Fernando era o filho mais velho, tinha duas irmãs e uma vida inteira pela frente. De gorjeta em gorjeta, engraxando as botinas dos “pés vermelhos”. O menino crescia e as responsabilidades também. O pai já não fazia muito carreto, até porque o cavalo estava doente e, para poupar o velho companheiro, Seu Jorge agora só marcava um carreto por dia. Todavia, o ritual era o mesmo. Lago Igapó no final da tarde, com menos guris, mas esporradas garantidas e, às oito da noite, a família reunida para assistir Bonanza, Rintintin e Moacyr Franco Show, juntamente com os televizinhos, no chão da sala e na janela. Logo, Fernando já estava no ginásio e não engraxava mais sapatos. Arrumou um emprego num jornal diário de Londrina, era o faz tudo, era grande, alto, era querido e logo conquistou a confiança do dono do jornal, o Senhor Juan Martins, um homem simplório e que, com muita luta, conseguiu montar um parque gráfico para fazer o seu jornal “O Norte”. Bancos, contas, anúncios, Fernando era o faz tudo. A confiança aumentava e suas idas à beira do Igapó e os amigos estavam ficando cada vez mais raras. As punhetinhas e os festivais haviam perdido a graça. O legal agora eram os papos. As confidências e as fantasias eram a pauta do dia. Fernando começou a falar de uma mulher que conhecera no cine Augustus. Casada com um japonês, quando a conheceu estava ao seu lado assistindo o filme “Se o Meu Fusca Falasse”, dizia ele tremendo de tesão, pois a bela mulher, maliciosamente, encostava-se ao seu joelho. Arrepiado, suava frio e o pinto crescia na calça Lee, a mão esquerda em movimento rápido já gotejando o visgo e entre o cinto de couro a enforcada costumeira no pau latejando. Fernando nem olhou para a mulher, e sua imaginação viajava nas curvas das melhores e mais gostosas mulheres: Leila Diniz, Duda Cavalcante, Odete Lara e as chacretes do programa Chacrinha. O Fusca corria na tela e as gotas de suor também nas costas e no peito de Fernando. De repente, ele sente uma mão suave em sua perna e um sussurro na orelha, “Espero você na frente da banca de revista, ao lado do bosque, daqui a 15 minutos, não vá faltar hein?” Fernando nem viu a mulher saindo, apenas olhou para o relógio “Orient Sport”, que tinha comprado com o primeiro salário, e marcou os minutos que faltavam, seus olhos se congelaram no ponteiro maior. A cortina pesada de veludo da porta central do cinema se move e uma fresta de luz revela a silhueta da sereia deslizante pela escada de saída. Fernando treme da cabeça aos pés e o pinto duro escapa do cinto enforcador. O ponteiro pula aos seus olhos, e lentamente está chegando aos 15 minutos combinados. Fernando está lá, de pé encostado na banca de revista, um Simca Chambord se aproxima com uma bela mulher ao volante, ao parar o carro perto do meio fio, Fernando é convidado com um gesto a entrar com a porta se abrindo automaticamente. A mesma voz que sussurrou no seu ouvido, agora mais clara e sexy, de supetão fala “Você é mais bonito aqui fora”, ao tocar novamente na sua perna. Fernando treme de medo e de tesão, acho que muito mais de medo. Estava ali uma mulher dizendo que ele era bonito e assim descobriu que tinha muitas cócegas no joelho. O carro sai na direção ao Lago Igapó e, bem próximo à caverna feita de bambu e de capim-colonião, o Simca para. Para Fernando, o território era seu aliado, pois ali tinha vencido várias apostas de piroca e de esporeadas. No espelho de água do lago, agora refletia uma bela mulher. Delicadamente, sem falar nada, pegou a mão de Fernando e levou ao peito com os mamilos duros. Não deu para aguentar, seu pinto explodiu o zíper da calça Lee, as mãos num ato rápido e prático abraçaram apertando o cilindro latejante. Fernando fechou os olhos e as mãos numa manipulação frenética são auxiliadas pelos lábios grossos e carnudos do cio feminino, os olhos continuam cerrados e a imaginação voando sentindo a saliva quente na virilha e uma língua suave lixando o saco por baixo. O noviço Fernando perdeu o cabaço ali nas margens do seu lago. Agora ele era homem e os outros garotos queriam ouvir mais e mais sobre a língua daquela professora de sacanagem. Os colegas descobriram que a mulher do Simca era casada com um japonês que tinha um Bazar perto da rodoviária. Fernando ria e dizia que contaria outras sacanagens outro dia. A confiança do patrão por Fernando aumentava e o rapaz agora passava a ser o braço direito do empresário. A luta armada contra o regime acontecia no Araguaia e o norte do Paraná ferviam nas mãos dos militares, a TV Record faz o Festival de Música, Jair Rodrigues canta a “Disparada” e Chico Buarque “Roda Viva” e Juan Martins politicamente, tromba com os milicos e o direito de montar a sua rádio vai para outra cidade, e não Londrina. Como um Don Juan, Juan Martins conquista uma atriz famosa do Rio de Janeiro e através do seu jornal promove seu espetáculo na cidade. Na sua chegada, e recebida no aeroporto de Ford Galaxie pelo seu patrocinador, entre o caminho para o hotel, o carro entra num carreador do cafezal. A atriz que ora tinha se encantado com o romântico empresário, agora sofre mantendo o joelho na barriga do macho e gemendo de dor ao sentir uma tora de trinta centímetros em suas entranhas, a mão grande tampa a sua boca e o vestido já começa a se encharcar de suor, o homem um verdadeiro jumento e a mulher chora sem poder gritar. No outro dia a cidade toda fica sabendo e noite o teatro se vê lotado, todos querem ver a artista que aguentou os trinta centímetros do galanteador. Fernando para de contar suas histórias de sexo para os meninos amigos da caverna. Fernando agora é um secretário eficiente, faz banco, a contabilidade pessoal do patrão amigo, paga as mulheres para tentar aguentar os trinta centímetros do patrão e viaja toda a semana para fazer o pagamento aos operários da construção de uma emissora que os milicos acharam por bem em aprovar a licença de uma concessão de rádio, mas bem longe de Londrina. Num dia de chuva, viajando num ônibus da Viação Garcia, Fernando com cuidado porque na pasta de couro que leva vai todo o dinheiro dos pedreiros que estão levantando o prédio da emissora. Fernando lê uma revistinha do Tio Patinhas, e na poltrona de sua frente um japonês de apelido Circuito, conhecido por todos, pois sofria de uma doença degenerativas que provocava tremores e movimentos rápidos com a cabeça, jovem ainda que com uma tesoura na mão corta e recorta papéis, fazendo figuras incríveis, fazendo uma arte japonesa chamado origami: bichinhos, bichões, barcos, pessoas e as crianças do ônibus disputam no (tapa) os recortes do artista. Quando de suas mãos saia um recorte ele dava pulo e tremia a cabeça, era realmente muito gozado, daí o seu apelido Circuito. Fernando ria sozinho lendo o Tio Patinhas, e numa briga de meninos na disputa de um recorte grande feito de jornal a página policial cai no seu colo, os olhos brilham ao encontrar o retrato de madame, sua musa a mulher do outro japonês. Fernando vibra de tesão e automaticamente enforca como de costume o pau, mas treme de medo ao ler a manchete que era clara “louco de ciúme, japonês mata rapaz que se vestia de mulher.” Fernando abre o vidro do ônibus e joga o jornal, suas lembranças que foram frutos de horas e horas debaixo do chuveiro. Agora lhe condenava e fazia careta ao lembrar a língua no seu saco. O ônibus para, e todos descem para ir ao banheiro e comer: pastel, coxinha. Fernando também desce abraçado à pasta de couro e aproveita após um caçulinha sem gelo compra o jornal queria ler e saber o que realmente aconteceu com a dona dos lábios, que lábia seu selo e que o japonês, despachou para o cemitério. Horas e horas de solavancos do ônibus, agora mais calmo, Fernando lembra da imagem de sua musa refletida no espelho d’água do Igapó. Pela primeira vez na vida, lembra dos lábios molhados deslizando nas suas coxas e não sente nenhuma cócega. O japonês deu fim à musa do Cine Augustus.

Compartilhe

10 respostas

  1. Lindas palavras que nos leva ao passado, inicialmente a TV do início das novas vidas. O conto é uma experiência de vida como.se fosse causos de tempos passado! Muito inteligente!!!

  2. Parabéns Manaoos, pelo seu conto envolvente! Sua habilidade em criar personagens cativantes e uma trama leve é admirável. Continue escrevendo e encantando os leitores com sua imaginação brilhante. Sucesso!

  3. Ótimo texto, curti a riqueza de detalhes que nos leva a uma viagem no tempo, ri muito no final. Final que traz aquela surpresa que não se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  • bio

    © 2021. Todos direitos reservados a OgazeteirO. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

    Participe do nosso grupo de WhatsApp